À porta fica a caixa, onde a senhora baixinha, de sacos de plástico, onde o jantar ainda está dentro de pequenas embalagens de plástico e cartão, paga o seu café e as 4 bolinhas mal cozidas. Atrás dela o senhor alto, meio careca, de fato azul escuro, no intervalo das suas duas reuniões desta tarde – acabou de assinar o contrato para o fornecimento de uma grande quantidade de mercadoria, está contente: hoje o dia correu bem. Veio beber o café à rua para desanuviar da pressão a última hora. Estou estrategicamente sentado no andar de cima, numa mezanine, de onde vejo o andar de baixo, a entrada e cada gesto de todos. Gosto disto!
Gosto de ficar aqui, sozinho, na minha mesa, com “A perna esquerda de Paris” de Gonçalo M. Tavares – um prodígio – a observar… o café tem grandes vidros por onde a luz da rua passa. Os carros vão passando lá for a, entram agora duas crianças e chegam ao balcão: “Tem gomas?”… ena pá.. saudades desta expressão… vir da escola ao final de tarde, subir a rua da tascoa e, andes de deixar o Carlos em casa, passávamos no Sr. João a pedir gomas, chupas, pastilhas.. tanta trampa que agora sei que fazem mal…
Poderá ter sido num desses fins de tarde, nessa Rua da Tascoa, que tantas e tantas vezes subimos e descemos… até pode ter sido… às vezes gostava de adivinhar o futuro, não para o poder mudar… só por curiosidade… sei lá… gostava de te poder ter dito, por aqueles dias, que um dia serias minha… seríamos… que quererias... que, por estes dias, as tantas e grandes coisas que vamos dizendo…
Ou então não… deixar que o tempo tenha passado por nós, por entre enchentes e vazares de marés, por entre luas e tempos que perdemos a conta, por entre tantas e tantas coisas que hoje nem sabemos de cor. Deixar que tudo isso tenha passado e que tenhamos ficado… que hoje, ficamos…
Voltando ao café, à medida que a hora de expediente chega ao fim o café vai enchendo-se de cafés apressados, de palavras a pares de amigos, amigas, casais enamorados por sorrisos tão sinceros e aparvalhados… ouço, sem ver, uma gargalhada, motivada por qualquer piada ou por qualquer carinho tolo… esses me vêm agora à memória, desses tantos e tantos cafés que foram ficando no tempo, nos espaços, na nossa voz, na nossa vida.
No shuffle acontece agora o “Blower’s Daughter”… eu diria que sei coisas… e o Frigorífico bebé também… adivinha coisas… “I Can’t take my eyes of you… I can’t take my eyes of you…” tanta verdade… desde quando?
Sobem as escadas 2 cafés que passam agora por mim a falar sobre o fim de semana, riem-se… entra mãe e filha, mais 4 bolas mal cozidas e um sumo de laranja; pagam-se uma cola e um sumol.
Perdi as horas e a espera – de que estou eu à espera aqui? Ah, estou à espera da mãe…
Mais dois goles de água... da torneira... blhack!
“ I can’t take my mind of you”.. ena pá…
Fecho os olhos essa imagem, do teu sorriso nos meus braços, dos teus olhos sobre o meu peito cheio de tanta, tanta, alegria, do teu cheiro, do teu sabor, da tua vontade... do teu carinho… “Aqui vou ser feliz” era o que me ocorria, nesse espaço que fiz nascer e que me acompanha em tantos e tantos serões sob stress, sob tortura, sobre parvoíces e pequenos gestos de alegria…
Tanto café que circula por estas paragens… Por esta capital, cheia de cartazes “Boas Sorting”… viva à Carlsberg! (desculpa tio… mas tinha de ser)
“Come what May” propõe o shuffle… ena pá… mas isto não vai parar hoje? É por aí sim, come what may. Não é por meia dúzia de tostões… seja o que for, aconteça o que acontecer, é mais forte do que qualquer aguaceiro – até porque, em tempos de seca extrema, dá muito jeito aguaceiros de vez em quando... até dá um certo clima tropical ao nosso pequeno paraízo “à beira mar plantado”… beira mar? levados ao colo? Ou é um tanque que anda por aí e o portas ainda nao o descobriu? – apartes…
adiante…
a conversa ao meu lado está a aquecer… não vejo grande solução… a renda da casa, a prestação do carro, do Plasma, do Colégio, das Férias, nem com os dois ordenados juntos dá.. pois… eu arranjo calculadoras que até com 9 dígitos resolvem esse problema… ou então umas folhas de excel, fazem-se umas estimativas, umas previsões... chamam-se... Orçamentos! Que mania este Portugal tem de se endividar até ao tutano…
irra...
olha... cá falo... e..
desculpa... mas...
Não vai dar...